A PRAGA das empreiteiras.....
Entre
os dirigentes e proprietários de empresas empreiteiras, que têm como seu
principal cliente o Estado, existem homens e mulheres honestos, tão indignados
quanto nós com a corrupção, mas dificilmente poderá cada um deles deixar de
participar dos mecanismos desonestos através dos quais é apropriada
privadamente a coisa pública. Eles fazem parte de um círculo vicioso infernal,
no qual subornar políticos e ser por eles serem chantageados torna-se rotina.
Para quebrar esse círculo vicioso, investigações, comissões parlamentares de
inquérito e a punição dos políticos e empreiteiros envolvidos nas acusações são
sem dúvida necessárias, mas enquanto não for revista institucionalmente a
posição das empresas empreiteiras dentro da economia e da sociedade brasileira
e a forma de fiscalizá-las, não será possível resolver o problema. É preciso
ficar claro que as empreiteiras, cujo cliente é fundamentalmente o Estado, não
são empresas do mesmo tipo e não podem se submeter à mesma fiscalização que as
demais empresas que vendem competitivamente para o setor privado. Um princípio
fundamental da administração pública é o do controle rígido, formal. Os
regulamentos e os tribunais de conta existem para isto. Já que não existe um
mercado para realizar esse controle, a solução, ainda que imperfeita, é o
controle administrativo, através de rotinas bem definidas e da montagem de um
amplo e cerrado sistema de fiscalização. Ora, já que as empreiteiras são sob
muitos aspectos parte do Estado, as mesmas normas de controle que se aplicam ou
deveriam se aplicar a burocratas e políticos que trabalham para o Estado devem
ser estendidas às empresas empreiteiras. A idéia de que se pode controlar as
empreiteiras exclusivamente através das licitações é sabidamente falsa. Por
mais que se aperfeiçoe e sistema, este sempre deixará vazamentos através do
qual a corrupção reaparece. Todo o sistema de corrupção promovido pelas
empreiteiras está baseado no sobre-faturamento das obras públicas e dos
serviços prestados ao Estado e na existência de uma caixa 2 através da qual uma
parte do valor sobre-faturado é destinada aos políticos na forma de comissões e
doações. Os políticos desonestos exigem as comissões, cuja taxa foi, nos
últimos anos, aumentada. Os políticos desonestos do passado contentavam-se com
10 por cento; hoje, a partir do exemplo de São Paulo, passaram a exigir 25 por
cento. Mas os próprios políticos honestos, que não chantageiam as empreiteiras,
que não cobram comissões, são também beneficiados por elas. Uma função perversa
dessas empresas é financiar campanhas políticas. Em todas as campanhas os
políticos - honestos e desonestos - pedem apoio das empresas em geral, mas as
que realmente fazem contribuições substanciais são as empreiteiras. Este fato
imobiliza os políticos honestos, dificultando a montagem de um sistema de
controle especial sobre as empreiteiras, seus sócios e diretores, do tipo que
estou propondo. O sistema de corrupção que existe hoje na política brasileira
está baseado na liberdade excessiva das empreiteiras. Os empreiteiros honestos
só poderão efetivamente garantir sua honestidade se o sistema atual de não
fiscalização, de sigilo bancário, for modificado. Como para os políticos é
fundamental que para os empreiteiros exista também plena transparência de suas
contas empresariais e pessoais. Só assim eles poderão dizer não à chantagem dos
políticos desonestos. Só assim suas empresas deixarão de ter como
"função" financiar campanhas eleitorais. Quando existe muita
facilidade, a desonestidade é inevitável. Só mudando institucionalmente o
sistema de controle das empreiteiras a política brasileira poderá dar um salto
de qualidade.
Bresser Pereira.
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